A
pergunta de Igor
Maria Lúcia Martins
Eu queria colocar uma rosa, uma simples rosa
vermelha entre as mãos geladas pela morte da jovem guerrilheira do Araguaia,
Maria Lúcia Petit. – eis um dos inúmeros momentos em que a emoção
me impediu de continuar lendo Maurício
Grabois: meu pai*. Livro em que Vitcória Grabois, sua autora, quer narrando
a saga de sua família – desde os avós, russos, atravessando
continentes, até chegar ao Brasil – quer documentando a vida política e revolucionária
de seu pai, não abriu mão da ternura. Maurício Grabois, em 2012, faria 100 anos,
e recebeu consistentes e belas homenagens. Arvoro-me dizer, entretanto, que
esse livro representa a homenagem maior.
Nele Victória enfocou dois ângulos de uma mesma vida – o da história política de inusitada coragem, e, o do homem companheiro de Alzira, mãe de seus dois filhos e mulher solidária a cada luta, perigo ou conquista – com o mesmo afeto e admiração: O ideário de meu pai ficou como semente no solo do Araguaia. Seus sonhos despertaram nas gerações de netos e bisnetos mostrando que sua luta não foi em vão. Semente e sonho: sem eles, a vida não se sustenta.
Nele Victória enfocou dois ângulos de uma mesma vida – o da história política de inusitada coragem, e, o do homem companheiro de Alzira, mãe de seus dois filhos e mulher solidária a cada luta, perigo ou conquista – com o mesmo afeto e admiração: O ideário de meu pai ficou como semente no solo do Araguaia. Seus sonhos despertaram nas gerações de netos e bisnetos mostrando que sua luta não foi em vão. Semente e sonho: sem eles, a vida não se sustenta.
Enfim, somente numa segunda leitura, pude apreender inúmeros fatos ainda
desconhecidos por mim. Desconhecimento que, por muitos anos, obedecia ao silêncio
de pedra com que a ditadura nos paralisava. E tudo isso, não só fala da
amargura sob a qual vivíamos após o golpe de 1964, como nos lembra que, podados
de toda liberdade política e cidadã, nosso próprio pensar rareava. Criar –
fosse no plano artístico, cultural, científico, educativo – inúmeras vezes foi prova
de “subversão” para cruéis espancamentos, por vezes, irreversíveis. Para além da
perda de todos os direitos humanos, o medo e o terror nos sombreava a capacidade
de sonhar. Se, por (corriqueira) averiguação, sofrêramos bárbara tortura, soltos,
éramos “lembrados” de que jamais estivemos presos! Era de rir... se nos atrevêssemos.
Durante o curso de Filosofia (UERJ, 72/76), quanta síntese sobre Platão, Hegel etc (Marx, nunca...),
mas nem meia hipótese sobre o sumiço de alguém, e, muito menos, porque isso
acontecia. Estranho silêncio: só em minha família, entre seis pessoas presas (de
1971 a 74), quatro foram torturados com as mais variadas modalidades de violência.
Assim, se por um lado,
publicações, como Maurício Grabois: meu
pai, sejam uma forte luz sobre os crimes de Estado – por outro, seus
autores ainda transitam livres, a pleno sol! Sim, eles “ainda” nos devem vidas:
perguntar Onde estão nossos mortos e
desaparecidos? (foto/cartaz de 45
guerrilheiros), e ler o consistente capítulo PELO TOTAL ESCLARECIMENTO (p.133)
desse livro, torna possível comprovar, a partir do muito que já foi feito, o quanto
ainda há por fazer, a exemplo da trajetória do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, do
qual Victória Grabois é a presidente atual.
As lutas por um Brasil verdadeiramente democrático, à revelia dos defensores
de uma pseudo História, incluem a travessia de Maurício Grabois, desde a sua militância
comunista que o torna deputado da Assembléia Constituinte em 1946, a comandante
da Guerrilha do Araguaia, onde foi morto em 25 de dezembro de 1973. E, se, a
exemplo de Duas concepções, duas
orientações políticas (p.150), texto de escrita límpida e lúcida, pode-se
constatar o pensador Maurício, a ela, acrescente-se a voz de Criméia Alice
(companheira de seu filho, André Grabois): ele era uma
pessoa muito inteligente, crítico e dono de um fino humor, sempre muito
brincalhão.(...) O que mais me impressionava nele é que não aceitava as coisas,
as verdades de forma impensada e sempre procurava nos preparar contra a
obediência cega.
Assim, do regional ao universal e
vice-versa, em eterna espiral ou vida, Somos
condenados à liberdade (Sartre). E, com ela, a poesia (a verdade) que sempre
há de estar no mundo com o mundo. Nesse sentido, a poesia também é um sopro de
um instante da História. Assim, Victória Grabois, não só pela valiosa herança ideológica
e afetiva que recebeu de seu pai e de sua mãe (e de seu companheiro, Gilberto Olimpio
Maria, e de seu irmão André Grabois, também eles, mortos na Guerrilha do
Araguaia) como pela sua própria militância na defesa dos Direitos Humanos, sob sua
sensibilidade Mulher, não só no (difícil) agregar político, como na delicada construção
afetiva familiar.
Sem ter pretendido um resumo, concluo, com a interrogação emblemática,
convenhamos, de Igor Grabois, neto de Maurício (p.36), em seu depoimento: (...) Em
toda a minha vida houve uma singela pergunta: você é o quê do Maurício?
Na verdade, de ler e pensar muito sobre essa
pergunta, me veio vindo o desejo de escrever algo sobre o livro de Victória
Grabois; ou seja, a pergunta do neto (título) tornou-se uma espécie de punctum (empréstimo
que faço ao precioso livro A Câmara Clara de Roland Barthes), “isso” para o quê eu não
conseguia a palavra e, sim, uma imagem que me
olhava e eu via (vejo-a): sobre densa
névoa, o menino Igor (vejo-o
de costas) caminha com dificuldade, e, segurando pela haste, um óculos grande
de aro preto, tenta alcançar o homem Igor (ou Maurício?) que se distancia do
pequeno cada vez mais, rumo ao alto da névoa, onde imensa árvore verde parece chamá-lo...
Claro que quem deu cor e forma a esta
imagem foi o texto de Igor: Na última
vez que vi Maurício eu devia ter cinco anos. Era o avô querido, que aparecia em
minha casa de tempos em tempos. Mal sabia que as suas ausências eram passadas
nas selvas do Araguaia na preparação da luta armada. Esse meu último encontro
com Maurício aconteceu em uma casa de cômodos – como se falava antigamente dos
cortiços – no Jabaquara (...), em um dos vários aparelhos em que a família
residiu.
Passados
mais de quarenta anos, a imagem de Maurício ainda é nítida, apesar das traições
da memória. Desde então, o avô querido se transformou em uma das mais
importantes figuras históricas do movimento comunista no país, o comandante das
forças guerrilheiras do Araguaia, exemplo de militante e dirigente quase
lendário.
Em
toda a minha vida houve uma singela pergunta: você é o quê do Maurício?
(...)
Rio de
Janeiro, 28 de março de 2013.
Maria Lúcia Martins é psicanalista, escritora
e poeta.
*Maurício
Grabois: meu pai
Victória Lavínia Grabois
Hexis editora
- Rio de Janeiro / 2012
169 páginas
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